Análise do Decreto-Lei nº 220/2008, de 12 de Novembro PDF Imprimir e-mail
Revista 187 - Ponto de vista
Escrito por José Cartaxo Vicente   
22-Dez-2008

Análise do Decreto-Lei nº 220/2008, de 12 de Novembro

Regime Jurídico (RJ) da Segurança Contra Incêndio em Edifícios (SCIE)

1. Introdução
Em 2004 o SNBPC, actual ANPC, resolve promover a elaboração de um REGULAMENTO GERAL DE SEGURANÇA CONTRA INCÊNDIO EM EDIFÍCIOS E RECINTOS (RG-SCIE) para substituir 16 diplomas dispersos e alargar a sua aplicação a todos os tipos de edifícios e recintos, de uma maneira homogénea e coerente, passando a ser obrigatório todos os edifícios e recintos ? novos e existentes ? implementarem uma organização de segurança contra incêndios. O regulamento foi elaborado na base de um único diploma (Decreto-Lei), a exemplo dos regulamentos de segurança incêndio para os Administrativos DL n.º 410/98, Escolares DL n.º414/98 e Hospitalares DL n.º 409/98, em que o regulamento é um anexo ao texto sucinto do diploma. Foi nesta modalidade que o Conselho de Ministros (CM) aprovou, na generalidade, a 25.01.2007.

Posteriormente o MAI decidiu desdobrar o documento único em vários: 1 Decreto-Lei definindo o regime jurídico e tantas Portarias quantas as necessárias.
Outros diplomas recentes têm seguido a mesma orientação. No passado houve casos semelhantes: o regulamento da segurança dos recintos de espectáculos é o Decreto Regulamentar n.º 34/95 que tem como suporte o Decreto-Lei n.º 135/95.
Evidentemente que há vantagens e desvantagens em cada uma das modalidades.
Por fim ouve necessidade de harmonizar este regime com a revisão do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação: Lei n.º 60/2007 que introduziu a 6.ª alteração do Decreto-Lei n.º 555/99.


2. O que já foi publicado e o que se aguarda
A 12 de Novembro de 2008 foi publicado o Decreto-Lei n.º 220/2008 que defi ne o Regime Jurídico da SCIE onde se diz que serão publicadas de seguida Portarias com os seguintes temas:
? Regulamento técnico
? Credenciação das entidades que, em representação da ANPC, farão emissão de pareceres, vistorias e inspecções
? Registo das entidades com actividade de comercialização, instalação e manutenção de produtos e equipamentos de SCIE
? Regime de cobrança de taxas
? Sistema informático


3. Pontos fortes do novo diploma
Devemos evidenciar que este regime jurídico da SCIE tem o mérito de:
? Aplicar-se a praticamente todos os tipos de edifícios, recintos cobertos ou ao ar livre, itinerantes ou não. As exclusões são compreensivas: prisões, espaços classificados das forças armadas e de segurança, paióis de munições, carreiras de tiro.
Os estabelecimentos industriais e de armazenamento de substâncias perigosas, indústrias extractivas ou de pirotecnia e de manipulação de produtos explosivos e radioactivos devem cumprir apenas as prescrições deste regulamento relacionadas com a acessibilidade das forças de socorro e a disponibilidade de água para combate a incêndios.

? Todos os edifícios e recintos foram caracterizados em 12 utilizações-tipo (UT):

  •  I ? habitacionais
  • II ? estacionamentos
  • III ? administrativos
  • IV ? escolares
  • V ? hospitalares e lares de idosos
  • VI ? espectáculos e reuniões públicas
  • VII ? hoteleiros e restauração
  • VIII ? comerciais e gares de transporte
  • IX ? desportivos e de lazer
  • X ? museus e galerias de arte
  • XI ? bibliotecas e arquivos
  • XII ? industriais, ofi cinas e armazéns.

? Foram atribuídas 4 CATEGORIAS DE RISCO da 1.ª (risco baixo) à 4.ª (risco muito elevado) função de alguns dos seguintes factores aplicados a cada UT:

  • Altura da UT e n.º de pisos abaixo do nível de referência
  • Espaço coberto ou ar livre
  • Efectivo
  • Carga de incêndio
  • Densidade de carga de incêndio

? As classes dos locais de risco foram alteradas de 4 para 6:

  • A ? efectivo inferior a 100 pessoas, sendo o público inferior a 50
  • B ? efectivo superior a 100 ou o público superior a 50
  • C ? local que apresenta risco agravado de eclosão de incêndio
  • D ? local com pessoas acamadas ou com crianças com idade não superior a 6 anos e locais com pessoas limitadas na mobilidade ou nas capacidades de percepção e reacção ao alarme
  • E ? local destinado à dormida sem haver pessoas com as limitações mencionadas nos locais de risco E
  • F ? local com meios e sistemas essenciais à continuidade de actividades sociais relevantes.

? São definidas regras de organização e gestão de segurança, designadas medidas de autoprotecção, quer para os novos edifícios a construir segundo este regulamento, quer para todos os edifícios existentes, baseadas nas seguintes medidas:
  • Medidas de prevenção, sob a forma de procedimentos ou de planos;
  • Medidas de intervenção sob a forma de procedimentos ou de planos;
  • Registos de segurança;
  • Formação em SCIE sob a forma de acções de sensibilização de todos os funcionários e de formação das equipas especializadas;
  • Simulacros.

4. Pontos fracos do novo Diploma
Realçamos os seguintes aspectos:
? Por ser um diploma defi nindo o regime jurídico não devia ser tão detalhado em questões técnicas; veja-se, por exemplo, o artigo 10.º, parágrafo 3, assim como os parágrafos 4, 5 e 6 que desenvolvem excessivamente os riscos de vários locais, sem serem completos.
? O pacote de funções que a ANPC pode credenciar no artigo 5.º -2 (realização de vistorias e inspecções) não é igual ao que é dito no artigo 30.º -1 (emissão de pareceres, realização de vistorias e de inspecções), mas igual ao que é dito no parágrafo -2 do mesmo artigo.
? Não parece clara a definição de responsável pela manutenção das condições de segurança contra risco de incêndio descrita no artigo 6.º - 4.
? O artigo 9.º, referente à reacção ao fogo e à resistência ao fogo dos produtos da construção (transcrição de directivas comunitárias de 2000 e 2003 que já deviam ter sido feitas) remete-nos para os ANEXOS I, II e VI que são necessários à leitura e à aplicação do regulamento técnico (Portaria) e não deste R.J.
? Os quadros I a X do ANEXO III, para definição das categorias de risco, deviam estar inseridos no artigo 12.º e não serem remetidos para ANEXO e o artigo 13.º não está compatível com os quadros, que estão matematicamente errados.
? O artigo 16.º defi ne quem pode ser responsabilizado pela elaboração dos projectos de SCIE nas 3.ª e 4.ª CATEGORIAS DE RISCO, mas nada é dito para a 2.ª CATEGORIA. A dedução que se aplica no Decreto-Lei n.º 555/99 não é clara.
? Não se percebe porque é que o protocolo entre a ANPC e as associações profissionais não é um único e tem que ser com cada uma (artigo 16.º 1 b).
? Não faz sentido, para o pedido de utilização dos edifícios (artigo 18º -1-), o termo de responsabilidade envolver os autores de projecto, pois deve envolver quem dia a dia acompanha a obra, a não ser que os projectistas sejam, também, parte activa da fiscalização.
? A apresentação à ANPC das medidas de autoprotecção para os edifícios e recintos existentes ter que ser feita no prazo de um ano (artigo 34.º) não é uma atitude realista.
? Não se percebe que as entidades credenciadas pela ANPC tenham que pagar taxa (artigo 29.º - 2 ? i)) para fazer o registo das vistorias e inspecções (artigo 30.º -2).
? A interdição do exercício de actividade profissional de projectista, no âmbito da credenciação, é da competência das associações profissionais (artigo 26.º -1- b)).
? A entrada em vigor deste diploma no dia 1 de Janeiro próximo implica que urgentemente sejam publicadas as portarias do regulamento técnico, da credenciação das entidades, o registo das empresas e feitos os protocolos com as associações profi ssionais, para que os seus membros se possam inscrever na ANPC.

5. Conclusões
Apesar das críticas feitas acima e da dificuldade de ter que se trabalhar com n diplomas é um facto que é um processo irreversível. Alguns dos nossos projectistas poderão ter, inicialmente, dificuldade em conjugar as condições gerais com as específicas, em calcular o efectivo, etc., etc. Mas quando se mecanizar na consulta e perceber os conceitos uniformes não quererá voltar ao esquema actual: um regulamento (ou medidas cautelares) para cada tipo de edifício e para muitos edifícios ausência de regras. Receio que o mercado não disponibilize cursos de formação suficientes e de qualidade por falta de formadores aptos. Receio que com um prazo tão curto ? um ano ? para a entrega à ANPC das medidas de autoprotecção dos edifícios existentes ou não haja cumprimento ou a Autoridade não tenha capacidade de receber os processos.


Mas... VIVA O REGULAMENTO!


PS - Espero que quando o leitor passar os olhos por esta revista já tenham sido publicadas as Portarias, pelo menos as mais importantes (Regulamento técnico, registo das empresas fornecedoras, credenciação das entidades para realizarem vistorias e inspecções).

 

*José Cartaxo Vicente
Engº Electrotécnico
Consultor de Segurança

 

Actualizado em ( 05-Jan-2009 )