Assédio moral em tempos de crise |
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Escrito por Luís Nascimento Lopes | |
30-Abr-2012 | |
Assédio moral em tempos de crise Recentemente tive ocasião de participar, em Famalicão, num seminário subordinado ao tema dos riscos psicossociais no qual tive ocasião de referir que os estudos mais recentes levam a concluir que, enquanto até há bem pouco tempo se tinha a convicção que, a progredirem ao ritmo a que estavam a progredir, os riscos psicossociais passariam, no fim desta década, a constituir a principal causa de absentismo, hoje, devido à crise económica que se abateu sobre a Europa, essa triste liderança poderá ser alcançada já em 2014.(...) (...) Ou seja, em 2014 poderão ser já os riscos psicossociais a provocarem a maior parte das perdas de dias de trabalho por doença. Ora, uma das ?modalidades? de que esses riscos se poderão revestir, uma das mais violentas e mais difíceis de identificar e de combater, é o assédio moral. Mas, como é sobretudo em tempos de crise económica que o assédio moral tem tendência a aumentar exponencialmente, este será talvez o momento mais propício para o enfrentarmos e combatermos. Uma das definições mais comuns de assédio moral descreve-o como ?A exposição dos trabalhadores a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício das suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e a éticas de longa duração, de um ou mais chefes, dirigidas a um ou mais subordinados, desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego?. É uma boa definição, mas incompleta, pois apenas contempla o assédio ?descendente?, ignorando os assédios ?ascendente?, ?horizontal? e ?misto? que, embora menos frequentes, até pela estrutura piramidal que caracteriza o nosso sistema económico, não deixam de ser uma realidade também ela preocupante. Soboll, em ?Assédio moral/organizacional: Uma análise da organização do trabalho?, vai mais longe e completa esta definição com?(...) uma situação extrema de agressividade no trabalho, marcada por comportamentos ou omissões, repetitivos e duradouros. Caracteriza-se pela sua natureza agressiva, processual, pessoal e mal-intencionada?. As consequências do assédio moral são comuns às de outros riscos psicossociais, como sejam alterações de caráter psicossomático, depressão e ansiedade, podendo também ele conduzir ao burnout e, mesmo, ao suicídio quando o assediado resiste até ao limite das suas capacidades. Mas há consequências que são particularmente características dos assédios, como sejam a humilhação e a vergonha. E também aqui se manifesta uma clara dimensão de género. As mulheres constituem a larga maioria das vítimas de assédio moral. E neste momento de crise, de muitas crises, já que a económica é apenas uma delas, o assédio moral é por muitos utilizado para tentar conseguir por esta via o que outros pretenderiam pela via da desregulação, ou seja, os despedimentos sem justa causa, um verdadeiro retrocesso civilizacional nas relações laborais. O assédio moral é algo difícil de identificar pelas autoridades. Ninguém vai confessar que insulta diariamente um trabalhador ou que o colocou num gabinete sem nada que fazer ou que o persegue. As próprias vítimas muitas vezes não identificam determinados comportamentos como assédio moral, tentando procurar justificações de caráter pessoal. E é aqui que os colegas de trabalho e os serviços de Segurança e Saúde no Trabalho jogam um papel determinante. São eles que estão na primeira linha da deteção precoce deste fenómeno. Há geralmente consequências visíveis por parte da vítima, nomeadamente comportamentais, mas igualmente físicas, como baixas por doença e diminuição da produtividade. Mas a empresa ou os serviços (sim, porque o assédio moral não existe só no setor privado) também sofrem consequências, como sejam, baixa de produtividade, custos de substituição de trabalhadores de baixa, deterioração das relações de trabalho e prejuízos na imagem da empresa ou serviço. Mas temos de perceber que, no fim das contas, os efeitos negativos e os custos do assédio moral acabam sempre por repercutir-se sobre terceiros, a começar pelas famílias das vítimas, que muitas vezes saem destroçadas, na sua esfera social, cujas relações podem ficar irremediavelmente afetadas e sobre a sociedade, ou seja, sobre todos nós, já que toda a reparação das consequências (quando a há) acaba por recair sobre as estruturas de saúde pública e de segurança social. Por tudo isto é fundamental prevenir. E a prevenção passa por duas dimensões. Uma externa, que implica o sermos capazes de levar este tema à discussão da nossa sociedade, de o tornarmos visível, em toda a sua dimensão humana, social e económica, de o denunciarmos no quotidiano. Mas, claro, há que reforçar a prevenção interna nas organizações e serviços, alertar responsáveis, sensibilizar e fazer uma correta avaliação de riscos, mesmo sabendo de antemão que ela é difícil neste campo. Mas é imperativo que o façamos. A crise económica pode ter-nos sido imposta de fora, mas a crise de valores só existirá se o permitirmos.
*Luís Nascimento Lopes Coordenador Executivo para a Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho da ACT |
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Actualizado em ( 07-Mai-2012 ) |