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Revista 181 - Alimentação
Escrito por Alina Baldé   
18-Dez-2007

Na base da saúde...
Por sermos uma parte importante da natureza, enquanto seres humanos, temos a necessidade de nos equilibrarmos no seu sistema, em todos os ramos em que este se divide.

Por certo que o início da nossa existência marcou também o nascimento da necessidade de a compreendermos e actuarmos nela, modifi candoa e alterando-a de uma forma que nos seja, preferencialmente, sempre vantajosa. Isto vem acontecendo, ao longo de muitos anos, exigindo de ambas as partes inúmeras modifi cações que, em última instância, nos moldaram na forma como actualmente nos conhecemos.
Muito se tem perdido e muito se tem ganhado, mas nesta linha de tempo o que certamente não se perdeu foi a necessidade de nos alimentarmos para sobrevivermos. Esta incapacidade de nos apartarmos da alimentação ? e isto é um ponto assente - torna-a num tema fascinante e entusiasmante de desbravar. Cientificamente, a alimentação defi ne-se como o processo através do qual obtemos e assimilamos os nutrientes, compostos químicos que nos são essenciais para assegurar as funções vitais do nosso corpo. São funções indispensáveis à vida, como o crescimento, o desenvolvimento ou a reprodução.
Está assim implícito que uma melhor alimentação significa uma melhor capacidade para desempenhar estas funções e, se assim o é, não deixa de ser curioso o facto de nós, tendencialmente, subestimarmos com alguma frequência este processo, como meio de excelência de nos mantermos plenos na nossa saúde. A equação parece lógica de resolver: indivíduos mais saudáveis são também indivíduos mais fortes, que aprendem melhor, mais produtivos e com um caminho facilitado na criação das suas próprias oportunidades.
Estas complexas relações entre alimentação, saúde e doença estão, nos dias de hoje, perfeitamente reconhecidas e têm sido muito estudadas pelos especialistas da área. Este interesse é relativamente recente mas, felizmente, crescente e, numa época em que se fala cada vez mais na necessidade da adopção de estilos de vida saudáveis, é essencial não esquecermos que, no seu enredo, a nutrição é seguramente um dos seus maiores protagonistas.

E na base da doença!
Sabe-se, então, que a prática continuada de uma dieta pouco saudável é um dos maiores factores de risco para o desenvolvimento de uma panóplia de doenças. Entre elas, encontram-se doenças crónicas tão prevalentes como a diabetes, as doenças cardiovasculares, a obesidade, a anemia ou mesmo alguns tipos de cancro e o facto de estas surgirem a longo prazo não torna legítimo desdramatizar o seu desenvolvimento, pois quando surgem afectam  irremediavelmente o quotidiano e toda a vida de indivíduos e familiares. Além disso, o seu aparecimento tem deixado de estar, cada vez mais, associado a faixas etárias avançadas, instalando-se, progressivamente, nas camadas mais jovens.

As estatísticas da Direcção Geral de Saúde (2004) comprovam isto mesmo e demonstram uma necessidade urgente de se actuar junto da população, no sentido de informá-la e dotá-la de ferramentas que ajudem a diminuir alguns valores alarmantes. São valores que colocam no topo das causas de morte em Portugal as doenças do aparelho circulatório com um total de 37118 mortos, cerca de 36,3%, mas também põe no pódio os tumores, que arrecadam 22,3% da fatia, ou seja, provocaram 22837 mortes. Ainda no ano de 2004, às doenças endócrinas, metabólicas e nutricionais coube uma percentagem de óbitos de 4,9%, o que representa 5065 mortes, logo seguidas na tabela pelas doenças do aparelho digestivo com 4652 mortes (4,5%). São valores que não se devem ignorar, principalmente se nos lembrarmos de que a intervenção nutricional é um mecanismo bastante eficaz na prevenção, tratamento ou controlo destas doenças, logo, destas mortes (ver gráfico 1).rev181_segalimentar.png
Bastante mais rápidos a dar sinal são alguns sintomas que são extremamente incómodos, mas que apenas nos fazem modifi car os nossos hábitos alimentares até desaparecerem, como a fadiga, a obstipação, muitas vezes alternada com diarreia (por desequilíbrio da flora intestinal), a azia ou mesmo a difi culdade em efectuar uma correcta digestão. Diminuem a qualidade de vida e, quando não é tratada a sua causa, podem ser o vector de desenvolvimento de outras patologias.

Os novos padrões alimentares
Importa, portanto, reflectir sobre o porquê desta alteração dos hábitos alimentares da população que nos levaram a estar sujeitos a estas doenças e sintomas. Sabe-se que existiram alguns marcos históricos que nos permitiram colocar na posição em que hoje nos encontramos e, na sua grande maioria, trouxeram-nos vantagens e desvantagens à qualidade da nossa alimentação.
Por exemplo, ainda no século XV, os Descobrimentos permitiram uma troca de alimentos intercontinental, o que conduziu a uma maior variedade da nossa escolha.
Em 1790 surge a conserva, por descoberta de Nicolas Appert, em 1812 aperfeiçoa-se o método de extracção de açúcar da beterraba, por Benjamim Delessert e, mais recentemente, temos a invenção do primeiro frigorífico eléctrico, em 1913. Os congeladores só apareceram na década de 60, popularizando este método de conservação dos alimentos. No entanto, nesta época, passa também a haver um tratamento industrial de quase todos os alimentos, mesmo os frescos. Foram uma série de acontecimentos que permitiram uma diminuição do tempo de preparação e confecção de alimentos, bem como de custos, mas que alteraram a sua composição básica. Por exemplo, o facto de em menos de um século o preço do açúcar se ter tornado 200 vezes inferior aumentou exponencialmente o seu consumo e hoje faz parte de diversos produtos, conferindo-lhes sabor mas também uma exacerbação do seu conteúdo energético.
Em consequência de tudo isto, quando especialistas da área da nutrição se aplicam na avaliação do último meio século facilmente se deparam com um aumento de cerca de 38% na quantidade de proteína consumida, uma diminuição de 54% no consumo de cereais integrais e um aumento de 25% no consumo de açúcares refinados. Na sociedade industrial contemporânea adoptou-se, assim, um novo padrão alimentar, que está na base do estado de malnutrição da população moderna.

Um problema, duas caras
Este termo - malnutrição - é um conceito que com frequência é associado a carência nutricional, mas esta ideia não corresponde, de facto, à realidade. A malnutrição é tão-somente um desequilíbrio entre a ingestão e a necessidade de nutrientes necessários para manter um estado nutricional óptimo. Quando este desequilíbrio surge por deficiência do aporte nutricional estamos perante um caso de desnutrição (também conhecida por subnutrição) mas quando surge por excesso de aporte nutricional, designa-se sobrenutrição (ver figura 1). O conjunto destas duas formas de malnutrição afecta 1 em cada 3 pessoas em todos os grupos etários; no entanto, é mais facilmente verifi cado naqueles com baixa condição socioeconómica e com menor nível de escolaridade.
Nos países em desenvolvimento a desnutrição constitui-se mesmo como um verdadeiro flagelo. Apesar das suas múltiplas causas, aqui o que contribui maioritariamente para este estado são a carência de alimentos ou uma inadequada absorção de nutrientes devido a algumas doenças que se fazem sentir nestes países. Isto implica um risco aumentado de morte e um comprometimento do crescimento e desenvolvimento psicológico. Aquando do seu tratamento há que ter em consideração não só a sua componente médica, mas também o meio social em que o indivíduo se  encontra.
Esta esfera social é, simultaneamente, uma consequência e uma causa deste estado patológico, uma vez que ele se instala devido a problemas sociais bem identificados que, em última instância, levam a esta carência de alimentos ou a estados patológicos de malabsorção, mas também vai colocar a sociedade numa espiral que compromete o seu desenvolvimento, ao reduzir a capacidade de trabalho dos seus indivíduos. Em termos de números, de todas as mortes de crianças com menos de 5 anos, pelo menos metade morre devido a problemas de desnutrição.
Tradicionalmente, os profi ssionais de saúde estavam voltados para o estudo das defi ciências nutricionais, principalmente nos grupos fragilizados, grávidas, lactentes, lactantes, idosos e doentes. Era, de facto, uma área de estudo bastante proeminente devido à quantidade de indivíduos que afectava. No entanto, por se ter começado a notar um aumento signifi cativo da sobrenutrição e a reconhecer a sua ligação com menores níveis de saúde e qualidade de vida, o excesso de nutrição tornou-se num tema muito actual.
Este problema assume-se particularmente nos países desenvolvidos, onde a disponibilidade e a acessibilidade aos alimentos é hoje um retrato da realidade. Como agravante, os alimentos de baixo valor nutricional são os que maioritariamente se encaixam nestas características ? disponibilidade e acessibilidade. Cooperante no desenvolvimento da obesidade é também a falta de oportunidade e de locais onde despender energia ? é certo que os indivíduos da sociedade moderna estão cada vez mais sedentários. Na Região Europeia da Organização Mundial de Saúde, a obesidade afecta entre 30 a 80% dos adultos e cerca de 20% das crianças têm excesso de peso, das quais 1/3 são obesas. É uma condição que, actualmente, é fatal para cerca de 1 milhão de pessoas e, se não forem tomadas medidas estratégicas no sentido de promover o ajuste de peso da população, em 2010 existirão cerca de 150 milhões de adultos e 15 milhões de crianças obesas. E, se por um lado, metade das crianças com menos de 5 anos morrem por carências nutricionais, a outra face da moeda também incute graves consequências na saúde destes menores. A obesidade tem um extraordinário impacto nesta faixa etária, uma vez que a exposição ao risco ao longo do seu crescimento, no final, se materializa numa enorme quantidade de anos. É nesta população que a educação alimentar faz um particular sentido, obviamente não menosprezando a importância que tem para as outras faixas etárias. Ensinar as crianças a minorar os erros alimentares, tornando-os na excepção e não na regra da sua dieta, evita adultos malnutridos, com baixa auto-estima e pouco produtivos.
E, por mais que o termo dieta seja incómodo ou assustador para a maioria das pessoas, este não tem de estar associado a restrição. Uma dieta não é apenas um plano nutricional utilizado para a perda de peso. A sua defi nição é muito mais abrangente.
Dieta é, o conjunto de regras aplicadas na alimentação e que se destinam a torná-la óptima na manutenção ou restabelecimento dos níveis de saúde.

Agir é preciso
Felizmente, o consumidor está atento e sedento de conhecimentos nutricionais mas, na grande maioria dos casos, acaba por se desmotivar, uma vez que fica atordoado com tanta informação e dados contraditórios, perdendo-se no momento de colocar as compras no cesto. Por parte dos profi ssionais de saúde, indústrias, escolas, Governo e todas as entidades que veiculam estas informações, é o mote perfeito para desenhar planos de acção que as tornem o mais objectivas possível. Só assim é possível actuar, de forma eficaz, na inversão destas estatísticas.

Actualizado em ( 19-Jan-2008 )