Doenças profissionais dos trabalhadores da educação: um ensurdecedor silêncio PDF Imprimir e-mail
Escrito por Luís Nascimento Lopes   
17-Abr-2013

Doenças profissionais dos trabalhadores da educação: um ensurdecedor silêncio

(continuação)

 

por Luís Nascimento Lopes*

 

Tal como prometido no último número da revista continuo neste número o artigo dedicado às doenças profissionais dos profissionais da educação.

(...)


 

(...)

Há que deixar claro que não há nenhuma patologia que seja exclusiva deste grupo profissional. Mas há patologias que afetam particularmente estes profissionais, em resultado da atividade específica que desenvolvem e das condições em que a desenvolvem. No último número destaquei as doenças infetocontagiosas, os problemas vocais e a surdez profissional.

Hoje começaria por falar das doenças vasculares periféricas, as tristemente comuns ?varizes?, que afetam um número imenso de profissionais do ensino, sobretudo a partir dos 40- 45 anos.

Isto deve-se, sobretudo, ao elevado número de horas que os professores passam em pé. Na realidade só quem nunca deu aulas ou um ultrapassado adepto do ensino ?de cátedra?, pode imaginar um professor a lecionar sentado, perante turmas de 30 alunos, sem outro meio auxiliar que não seja o ?quadro negro?, onde tem de escrever e sem um estrado que o torne visível para todo o auditório de alunos. Para além disso os alunos necessitam de acompanhamento personalizado nas atividades que desenvolvem na sala de aula, o que obriga os professores a circularem entre eles. Ora basta pensarmos um pouco para compreendermos que, se as veias das pernas conduzem o sangue no sentido dos pés para o coração, esse movimento de retorno na posição vertical é dificultado pela força da gravidade. E a partir dos 40 anos essa dificuldade é aumentada pela degradação ?natural? do nosso sistema circulatório, sobretudo se agravado por fatores de risco acrescidos, como o tabagismo, uma má alimentação, colesterol elevado, etc.

No caso português e nos últimos anos esta situação agravou-se com a decisão, no mínimo discutível, de aumentar as aulas do ensino básico e secundário para períodos de 90 minutos sem interrupção.

Neste caso, a prevenção também passa pelo próprio professor, nomeadamente na escolha do calçado (as professoras, em termos de género já de si mais atreitas a estas patologias por fatores hormonais, deverão banir da sua atividade profissional os saltos altos), na utilização das chamadas ?meias de descanso? e na planificação das aulas, prevendo a alternância entre períodos ?estáticos? e períodos de ?deambulação?. Mas a prevenção sistémica, aqui como em qualquer outro lado, é da responsabilidade do empregador, mesmo que (ou sobretudo quando) este se chame Ministério. Assim, há que reduzir os tempos letivos para períodos de 50 minutos no máximo, com intervalo entre eles que permitam aos professores um tempo mínimo de 10 minutos de permanência sentados, de preferência com as pernas elevadas, e dotar as escolas de meios auxiliares que não façam assentar todo o processo educativo na voz e na figura (tipo farol) do professor.

De qualquer forma volto a chamar a atenção para o facto de estar a falar de um flagelo que todos os intervenientes no processo educativo sabem que existe mas sobre o qual ninguém tem números, pois não se faz qualquer avaliação regular da saúde dos profissionais da educação, num claro atropelo à legislação comunitária sobre a matéria e perante a cumplicidade das instituições que em Portugal têm a competência para fiscalizar as condições de trabalho, não apenas no setor privado mas também no setor público. Mais uma vez socorrendo-nos de dados recolhidos no estrangeiro, um estudo realizado entre 1981 e 1997 pelo Instituto Nacional de Saúde Ocupacional da Dinamarca revela-nos que nesse país o número de professoras hospitalizadas por problemas de varizes duplicava em comparação com as hospitalizações de não professoras. E estamos a falar da Dinamarca.

Mas até em países menos desenvolvidos se fazem estudos e existem números. Por exemplo, no Sri Lanka, um estudo publicado em 2007 pela Universidade de Colombo, revelava-nos que 21,25% dos professores do ensino básico sofriam de problemas de varizes. Por cá, e empiricamente falando, os números não deverão andar longe.

E por hoje termino esta incursão nas doenças relacionadas com o trabalho dos professores e outros profissionais da educação com a referência a um transtorno musculosquelético muito frequente nessa classe e que se traduz em algias do ombro, bursites e síndromas do manguito rotador relacionadas com uma postura prolongada do braço numa elevação superior a 90º, geralmente associada à escrita no quadro.

Mais uma vez não há números, pois não há vigilância das condições de saúde destes trabalhadores. Acresce que, na inexistência de médicos de trabalho, os profissionais do ensino recorrem aos médicos de família que não têm sensibilidade e, muitas vezes, nem meios para associarem a patologia à atividade profissional do doente e que por vezes nem sabem que é da sua responsabilidade a presunção da doença profissional.

Estamos perante mais um problema de saúde evitável. E a sua prevenção passa, não apenas pela preparação cuidada da aula por parte do professor, de forma a espaçar e diminuir a duração dos momentos de escrita no quadro, mas também pela ação preventiva de dotar as escolas de meios auxiliares pedagógicos adequados, que substituam o ?pau para toda a obra? que a velha ?lousa? continua a ser num tão grande número de escolas do nosso país. E como o artigo já vai longo deixo a sua conclusão para o próximo número, com a abordagem daquele que é, atualmente o maior flagelo que assola as escolas portuguesas e aflige os seus profissionais: os problemas de saúde associados aos fatores de risco psicossocial, que é como quem diz, ao stresse relacionado com o trabalho, ao assédio moral e à violência no local de trabalho.

 

*Luís Nascimento Lopes

Professor

Membro da Direção da Federação Nacional

do Ensino e Investigação (FENEI)

Actualizado em ( 22-Abr-2013 )