Bombeiros portugueses PDF Imprimir e-mail
Escrito por António Malheiro   
23-Dez-2008

António Malheiro*


No último congresso da Liga dos Bombeiros Portugueses, entidade representativa da grande maioria das Associações Humanitárias e dos seus Corpos de Bombeiros Voluntários e Profissionais, que ocorreu em Outubro deste ano, o Sr. Dr. Duarte Caldeira fez duas afirmações que me fizeram pensar sobre a realidade deste sector da protecção civil. ?Os bombeiros recusam ser subalternos no sistema de protecção civil e dependentes dos poderes públicos nacionais? e ?não aceitar que a protecção e socorro dos cidadãos signifique a transformação do voluntariado e do associativismo nos bombeiros como peça de museu? foram as afirmações que me chamaram a atenção, e sendo o Sr. Dr. Duarte Caldeira o Presidente da Liga e da Escola Nacional de Bombeiros, diversas perguntas surgiram no meu pensamento e aqui as escrevo.
Volto a referir que, na minha opinião, as Associações Humanitárias e os seus Corpos de Bombeiros estão a substituir o Estado na sua obrigação constitucional de providenciar a segurança e o socorro ao cidadão, com considerável economia financeira para as despesas deste, mas a indiferença e subestimação do Estado para com estas Associações tem sido notória. No ano de 2008, com a justificação de alteração do sistema de subsídio, estes foram reduzidos e o mesmo é em função de despesas dos anos anteriores, fazendo assim com que as Associações mais pobres não possam investir e desenvolver.
Os Corpos de Bombeiros não possuem qualquer tipo de benefícios fiscais - só podem descontar o famoso IVA, que pagam a todos os fornecedores, incluindo fardamento e equipamentos de protecção individual para os bombeiros, em casos muito específicos e referente a facturas de valor superior a 1.250,00 Euros, e se esta medida se pode justificar pelos seus serviços não sofrerem IVA, não se compreende, pois estão a financiar o Estado, quando deveria ser o contrário.
Por mais incrível que pareça o gasóleo que utilizam para as viaturas custa exactamente o mesmo que a qualquer cidadão (no entanto os agricultores têm gasóleo a um custo subsidiado), e em relação ao IVA acontece o  mesmo: é pago como qualquer cidadão que abastece a sua viatura na bomba.
O custo de um bombeiro voluntário é elevado - mesmo sendo voluntário tem de receber fardamento, equipamento de protecção individual, formação, subsídios, etc. As despesas com viaturas não são simplesmente o combustível, os valores envolvidos na renovação do parque automóvel e a sua manutenção são a grande dor de cabeça dos tesoureiros e o Estado deixou de oferecer viaturas às Associações. A realidade da grande maioria das Associações Humanitárias e dos seus Corpos de Bombeiros é que dependem, cada vez mais, de subsídios do Estado. Sendo assim, o que é que a Liga tem feito realmente para que estas Associações recebam subsídios ou benefícios suficientes para a sua sobrevivência e a manutenção de uma resposta efectiva às necessidades de socorro da sua população?
As Associações também recebem subsídios autárquicos, mas dependem não só da capacidade financeira destas, que varia muito no nosso país, mas também de decisões políticas dos seus dirigentes, caso se interessem ou não pela protecção civil. E o que é que a Liga  fez para sensibilizar e pressionar estas instituições para a criação de regras gerais para estes subsídios?
A principal receita dos serviços prestados pelas Associações de Bombeiros é consequência de serviços prestados ao estado ou derivados, nomeadamente o INEM, Hospitais Centrais ou Distritais e Centros de Saúde, mas também aqui são as Associações Humanitárias que subsidiam estas entidades, pois os valores que pagam, defi nidos pelo Ministério da Saúde, são significativamente inferiores aos custos reais, senão vejamos este exemplo: o transporte de um doente a uma consulta, tratamento ou exame a um hospital, é requisitado pelo referido hospital directamente ao Corpo de Bombeiros, indicando por exemplo que o doente tem de ser transportado deitado. Assim, tem mesmo de ser utilizada uma ambulância com um motorista e um socorrista. Uma ambulância tem um consumo muito superior a uma viatura normal idêntica, pois é mais pesada e, portanto, o consumo médio pode ser de 12 a  4 Litros/100, além de que os custos com seguros são superiores. Depois, como estes serviços são realizados em horário laboral, e por isso os bombeiros envolvidos têm de ser profi ssionais, mas ainda temos de acrescentar outros custos - os administrativos -, pois existem diversos impressos que têm de ser preenchidos (senão são devolvidos), tem de haver emissão de factura e uma imensa quantidade de telefonemas por causa do pagamento. E aqui temos mais um custo, porque estes pagamentos são realizados com atrasos que atingem os seis meses, o que acresce o custo de juros bancários, pois para fazer fase às obrigações das Associações, estas têm de recorrer a crédito bancário.
Os valores apresentados pela Liga, referentes ao custo neste tipo de serviço, ronda os 0,80 ?/Km, mas o Ministério da Saúde paga desde Julho deste ano, e por especial favor, 0,47 ?/km. Ora, perante esta realidade, quando é que a Liga realizou uma negociação de força e obteve resultados significativos? Em todos os casos, e perante os resultados obtidos e as reacções orquestradas pela Liga, demonstram aqueles que não participaram nas negociações, que a entidade representante os bombeiros, tem tido uma posição dependente dos poderes públicos nacionais, reclamando das  decisões governamentais, mas prolongando negociações, aceitando descer valores, deixando o  Estado decidir a seu bel-prazer e sempre em seu benefício, permitindo que ?os de fora? pensassem que ou a Liga não tem qualquer poder junto destas instituições ou então existem outros interesses. Será que a Liga, a que o Sr. Dr. Duarte Caldeira preside, fez mais do que nós sabemos?
É uma realidade que os bombeiros portugueses são cada vez mais competentes. A demonstrá-lo temos as estatísticas deste ano, referentes à resposta a doenças súbitas, acidentes e ao combate a incêndios florestais, entre outras actividades. Mas o que é que a Liga contribui para isso? Tem realizado acções de formação e apoio aos Corpos de Bombeiros? Tem contribuído com apoio a acções de formação para os bombeiros?
Nos últimos dois anos a legislação que foi colocada em execução por parte da Autoridade Nacional de Protecção Civil, que é o órgão tutelar dos bombeiros, e da sua tutela, o Ministério da Administração Interna, tem sido imensa, criando livros com mais de 300 páginas com a sua compilação. O que é que a Liga tem feito para ajudar as Direcções e Comandos a aplicarem convenientemente esta legislação, o que é que tem feito para fornecer matrizes ou bases, para que em vez de cada Associação ter que inventar individualmente estatutos, regulamentos, processos de formação e avaliação, tenham ao seu dispor uma referência de trabalho, poupando tempo e gasto de neurónios?
Já agora, como o Sr. Dr. Duarte Caldeira acumula as funções de Presidente da Escola Nacional de Bombeiros (ENB), estendo as mesmas perguntas para a Escola que deveria formar os nossos bombeiros e, porque não, os dirigentes. Cada vez mais os bombeiros necessitam de formação, para melhorar a sua competência e quantos cursos para bombeiros (e, repito, para bombeiros, não é para empresas privadas) é que a ENB realizou este ano? E por favor não contabilize aquelas para as quais a ENB emitiu certificados, mas que foram realizadas por iniciativa dos Corpos de Bombeiros, nas suas instalações e suportando os seus custos. A ENB realiza formação a dirigentes das Associações Humanitárias? Não são eles também um vector importante para os bombeiros? E, quanto a peças de museu, já agora poderemos saber quantas Associações possuem contabilidade devidamente organizada e actualizada? Quantas possuem uma gestão profissionalizada? Quantos Corpos de Bombeiros Voluntários possuem um elemento de Comando profissionalizado, essencial para o bom desempenho dos seus bombeiros no quadro de operações? Quantos Corpos de Bombeiros  Voluntários possuem no seu quartel, 24 horas por dia, todos os dias do ano, uma equipa para as primeiras viaturas necessárias a um incêndio e a um acidente? Quantos Corpos de Bombeiros Voluntários possuem um plano de formação para os seus bombeiros e o cumprem? Quantos Corpos de Bombeiros realizam testes médicos periódicos aos seus bombeiros? Quantos Corpos de Bombeiros actuam em equipa com os seus vizinhos? Reafirmo que, envolvido neste sector, considero que os nossos bombeiros estão cada vez mais competentes, mas será graças a acções e apoio da Liga e da Escola Nacional de Bombeiros ou das suas próprias iniciativas? E, principalmente no caso daqueles que se encontram fora das grandes cidades, possuem eles condições financeiras e humanas para que a sua competência seja suficiente para garantir o devido socorro de pessoas e bens em tempo útil? 
Teria muitas mais perguntas para fazer, de certeza que existem muitos mais pontos, no que diz respeito à estrutura de bombeiros em Portugal, que eu gostaria aqui de apontar, mas a falta de espaço obriga-me a deixar esses assuntos para uma próxima. Mas não quero terminar sem uma pergunta para a qual, sinceramente não sei a resposta: Sr. Dr. Duarte Caldeira, considero que para as grandes mudanças dos bombeiros portugueses é preciso tempo. Já agora, há quanto tempo é Presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses e é Presidente da Escola Nacional de Bombeiros?
Depois de obtermos respostas a estas e outras perguntas que existem sobre os ?nossos? bombeiros, por favor deixe que seja a população a decidir qual o seu lugar na sociedade.

 

*António Malheiro
Consultor/Formador de Segurança Integrada

 

Actualizado em ( 05-Jan-2009 )
 
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