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O Direito da Saúde PDF Print E-mail
Written by Bruno Carrêlo Mota   
Terça, 27 Abril 2010

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O Direito da Saúde

 

Todos nós sabemos, ou pelo menos deveríamos ter essa consciência, que o direito à saúde é um direito fundamental, consagrado na Constituição da República Portuguesa. A questão passará e, infelizmente, passa, pelas seguintes interrogações:

? Será que, efectivamente, existe uma tutela efectiva e eficaz da Saúde?
? O nosso Sistema Nacional de Saúde tem a capacidade para fazer face às necessidades, cada vez maiores, de uma população envelhecida?
? E as Unidades de Saúde Privadas satisfazem ou são as próprias a satisfazer as necessidades da população em geral?
? O Estado português, em matéria de saúde, deve ser regulador ou intervencionista?

São questões que, cada vez mais, temos que aprofundar.

Cumpre aqui fazer um breve enquadramento: o sistema de saúde em Portugal é caracterizado por três sistemas coexistentes, a saber: o Serviço Nacional de Saúde (SNS), os regimes de seguro social de saúde especiais para determinadas profissões (subsistemas de saúde) e seguros de saúde de voluntariado privados. O SNS oferece uma cobertura universal ou, pelo menos, deveria fazê-lo. Além disso, cerca de 25% da população é coberta por subsistemas de saúde, 10% em seguros privados e outros 7% em fundos mútuos.

O Ministério da Saúde é responsável pelo desenvolvimento da política da saúde, bem como pela gestão do SNS. As administrações regionais de saúde são responsáveis pela execução dos objectivos da política nacional de saúde, desenvolvimento de orientações e protocolos e supervisionamento da prestação de cuidados de saúde. Os esforços para a descentralização têm-se destinado a transferir a responsabilidade financeira e de gestão a nível regional, o que, infelizmente, não tem sido bem sucedido. Na prática, porém, a autonomia das administrações regionais de saúde sobre definição de orçamento e das despesas foi limitada aos cuidados primários. O SNS é predominantemente financiado através de uma tributação geral. As contribuições dos empregadores e dos empregados
representam as principais fontes de financiamento dos subsistemas de saúde. Além disso, os pagamentos directos pelo paciente e os prémios de seguros voluntários de saúde representam uma grande percentagem de financiamento.

Será que este é o caminho?

Todavia, as unidades hospitalares privadas proliferam em Portugal e bem (diga-se em abono da verdade), pois o Estado cada vez mais descapitalizado já não tem capacidade financeira nem humana para fazer face a esta necessidade tão elementar. Mas, e as Unidades de Saúde Públicas? Aquelas
que, em princípio, deveriam fazer face às necessidades da população em geral?

Facto é que as mesmas, cada vez mais, estão obsoletas, pese embora (e reconheça-se) que tem, de facto, existido pelo menos um esforço governamental para as modernizar e serem mais eficazes. Mas
não chega. As listas de espera para consultas, para operações, para a realização de outras intervenções médicas, continuam e cismam em aumentar e permanecer. A isto, agregam-se outros factores colaterais, ligados com a população portuguesa estar cada vez mais envelhecida e, por conseguinte, a necessitar de cuidados médicos que as fracas reformas (ou aposentações, como se queira apelidar) não permitem que tal cifra da população recorra a unidades de saúde privadas.

Assim sendo, urge questionar directamente o Estado português: não será que o mesmo não deveria aqui ter um papel mais regulador? Ou será que deveria ter um papel mais intervencionista? São
questões, efectivamente, actuais e, com o devido respeito, que é muito, por demais pertinentes.

Vamos a factos e não a pura demagogia ou cifras referidas em percentagens que referem de forma leviana aquilo que a realidade não espelha.

A saúde em Portugal, o seu sistema e a falta de infra-estruturas são por demais evidentes. Urge resolver-se esta temática, não em fóruns de discussão, mas sim na realidade, com actos e resoluções práticas, mas que tenham eficácia e, definitivamente, resolvam o problema.

A criação de legislação assertiva é por demais necessária; não aquela que é criada, como já foi referido, sem olhar para a necessidade dos cidadãos, mas sim aquela que seja simples, mas eficaz, que seja simples, mas prática, que seja simples, mas resolutiva. A criação de novas unidades de saúde, sejam elas hospitalares ou os próprios centros de saúde, em que não seja necessário um cidadão de setenta anos estar horas infindáveis para ser atendido ou, apenas, para agendar uma consulta médica que apenas ocorrerá daí a três ou quatro meses. Isto acontece em Portugal, é a realidade dos factos a que não podemos, de forma alguma, ser alheios - e tal tem de ser mudado. A solução? Mais responsabilidade da nossa governação! Nem falemos em aspectos monetários, nem nos campos em que tal aspecto monetário é mal gerido e mal canalizado. Esse é um campo que, dia após dia, é debatido e divulgado nos media e em outras formas de comunicação. Centremo-nos, sim, na necessidade de existir um acesso à saúde. E esse acesso, pese embora constitucionalmente salvaguardado, não está a ser cumprido.

Um dos grandes problemas, já acima referenciado, é a falta de garantia da sustentabilidade financeira
do Sistema Nacional de Saúde, a falta de recursos humanos na saúde, em especial de médicos e enfermeiros, e a qualidade e segurança dos serviços de saúde. Estas, são falhas detectadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) no Plano Nacional de Saúde, recentemente notificadas e dadas a conhecer ao Estado português e publicadas num diário da nossa comunicação social.

Jeremy Veillard, da OMS-Europa, sublinhou alguns bons resultados conseguidos pelo Estado português nos últimos anos, mas refere e acentua que ?apesar de Portugal ter conseguido bastantes progressos em saúde nos últimos anos ainda se verificam algumas falhas, das quais destaco a
dificuldade no acesso aos médicos especialistas, assimetrias regionais no acesso aos cuidados e escassez de profissionais de saúde?
. Jeremy Veillard vem criticar, e com total razão, os responsáveis pelos vários programas da saúde em ?não serem reactivos para apurar as causas porque não se conseguem alcançar os resultados pretendidos em determinadas áreas?.

Será que tais críticas, assertivas, feitas pela OMS, não são mais do que suficientes para que consigamos constatar que temos de mudar? É da saúde dos portugueses que estamos a falar - tão simples quanto isso. Deixemo-nos de megalomanias (que por aí proliferam) e vamos, sim, dar uma solução para este caos que é a saúde.

É hora de começar a olhar para a saúde em Portugal como um verdadeiro direito constitucional, como um verdadeiro direito que deverá ser protegido, pois o que está em causa é a saúde dos cidadãos e a sua própria vida e o Estado português não pode alhear-se e imiscuir-se desta sua função, não pode negligenciar mais este sector. ?(?) A Justiça era igual; porque nem a balança entrava o pezo da conveniência, nem a espada embotava os fios com o respeito das pessoas (...)?1.

Assim, equilibremos a balança da Justiça, mas caso ela se desequilibre, que seja em prol de quem mais necessita de apoio. Aí, sim, será feita a Costumada Justiça!!!

 

*Bruno Carrêlo Mota
Advogado e Docente Universitário

1 ?Justiça?, Colecção e escolha de Bons Ditos, e Pensamentos, Graciozos. Para recreação das pessoas judiciozas, e para entreter as horas, que não de estudos especulativos, escritos. Lisboa, na
Offic. De Francisco Borges de Souza, Anno MDCCLXXIX, pag. 265.
Last Updated ( Terça, 04 Maio 2010 )