Congresso SST
Gaivota em terra, tempestade no mar PDF Imprimir e-mail
Escrito por Jorge Gaspar   
28-Abr-2010
Portugal vive um dos momentos mais críticos da sua história contemporânea. Num certo sentido ? mais actualista ?, Portugal viverá mesmo um tempo ao qual os historiadores chamarão daqui a umas dezenas de anos ?um dos períodos determinantes da sua existência?, tal a complexidade de problemas e desafios colectivos que se apresentam à Nação.

 Pese embora se venha colocando a ênfase deste caldo problemático nos domínios económico e financeiro, a verdade é que tal acontece por ? talvez fosse politicamente mais correcto dizer antes porventura ? incapacidade de percepção e de compreensão do real sentido e dimensão da raiz da nossa Questão: afinal,para que serve e quem serve Portugal?

As Instituições e as elites dirigentes ? nos planos político, económico e cultural ? têm manifestado, regra geral e de modo tendencialmente não descontinuado, uma incompreensível praxis colectiva de estreitamento face à necessidade de construção de um conjunto de linhas estratégicas capaz de oferecer ao país uma indicação clara sobre aquilo que se veio convencionando chamar ?desígnio nacional?, mas que não é mais do que uma luz esclarecedora de uma Vocação que legitime uma respostainequívoca à ?nossa Questão?.

A Europa e o Mar têm aparecido no discurso político dominante em Portugal ? e mais notoriamente ainda nas práticas governativas ? como ?projectos? quando não antagónicos pelo menos inconciliáveis nos seus termos e propósitos. A ?opção europeia? parece ter ditado a obrigatoriedade de o País virar as costas ao Atlântico, como se o seu contrário se traduzisse numa traição imperdoável a um parceiro inominado. Os discursos de alguns dirigentes políticos (por exemplo, o antigo Ministro Mário Lino) e de alguns intelectuais (por exemplo, o escritor José Saramago) no sentido da inevitabilidade política do iberismo e as afirmações ao nível dos mais elevados responsáveis governativos no que toca à definição das prioridades da política externa portuguesa como sendo Espanha, Espanha e Espanha (o Primeiro-ministro José Sócrates) são meras ilustrações de um sentimento mais alargado de menorização auto-induzida com reflexos nas dinâmicas político-diplomáticas e nas relações económico-empresariais que, consequentemente, projectam custosna nossa vida colectiva.

A adesão de Portugal às Comunidades Europeias ? tendo indiscutivelmente constituído um acto com profunda relevância no contexto da sua afirmação como País membro da democracia liberal ? determinou um leque vasto de alterações na vidapolítica, económica e social portuguesa,
as quais, muito naturalmente, se traduziram também num diverso enquadramento político e jurídico da nossa relação com o Mar. As várias e sucessivas fases da integração europeia e as concomitantes transferências de competências e parcelas de soberania dos Estados-Membros para as Comunidades ? depois apenas Comunidade Europeia (CE) ? modificaram substancialmente ? umas vezes no plano formal, outras no não menos relevante domínio da prática político-diplomática ? os poderes estaduais sobre o Mar e os seus recursos. A Política Comum das Pescas é disso mesmoum exemplo paradigmático.

Tudo isto a propósito (porque a realidade é só uma e as suas pontas cosem-se com todas as linhas) dos recentes e sucessivos acidentes de trabalho mortais verificados no sector das pescas em Portugal. Mais uma vez, foi preciso a morte bater à porta do Poder para um responsável governamental, o Ministro da Agricultura (ao que parece, de nome António Serrano), se lembrar do problema da segurança dos pescadores e decidir apoiar a candidatura de um projecto de apoio à aquisição de equipamentos de protecção e de salvamento, equipamentos de comunicação e formação ao PROMAR ? Programa Operacional Pesca, financiado com verbas do Fundo Europeudas Pescas.

É caso para dizer ?gaivota em terra, tempestade no mar?.

 

*Jorge Gaspar
Jurista e Docente universitário
Actualizado em ( 04-Mai-2010 )