Ricot - 1º Congresso
Portugal e a Organização Internacional do Trabalho: PDF Imprimir e-mail
Escrito por Jorge Gaspar   
04-Jul-2011

Portugal e a Organização Internacional do Trabalho:
reforçar o tripartismo em tempos de crise (também na segurança e saúde no trabalho)

por: Jorge Gaspar

Ideias tópicas a recuperar num futuro próximo:
1. ?O aparecimento da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1919 marca um momento chave no panorama das Relações Internacionais (RI).

rev202_opiniao.jpg2. O final da I Guerra Mundial traz consigo a demonstração vivida da importância e da dimensão do processo de industrialização e a experiência em parte ainda por viver da potencial capacidade que os trabalhadores têm de intervenção e de influência na vida política das Nações e, numa outra escala, da própria Sociedade Internacional.

3. À decisão política da criação da OIT não é, assim, de todo alheia ? bem pelo contrário ? a força que o movimento sindical apresenta naquele caldo de cultura histórico-social.

4. A OIT inaugura na esfera das RI o modelo tripartido das relações laborais e atribui poderes, mas também deveres, aos representantes dos trabalhadores e aos representantes dos empregadores.

5. Estes novos actores, directamente envolvidos no terreno e debatendo-se quotidianamente com questões e problemas de índole sociolaboral, são chamados ao palco da partilha de responsabilidades pela definição de princípios fundamentais e de normas básicas a aplicar e fazer cumprir no quadro de uma relação de trabalho.

6. O Tripartismo consubstancia o principal elemento identificador e unificador da natureza e dos objectivos da OIT, podendo ser acompanhada através da sua concreta aplicação uma nova forma de olhar e de perceber o mundo do trabalho.

7. A temática das condições de trabalho e, em especial, da Segurança e Saúde no Trabalho (SST) foi desde sempre uma das áreas de intervenção privilegiada da OIT. Na verdade, o domínio do económico e do social assumiu uma posição preponderante no quadro das preocupações e dos objectivos visados com a criação da OIT e trouxe consigo, inevitavelmente e desde o início, um profundo reconhecimento da relevância e da valorização das condições de trabalho e da prevenção dos riscos profissionais como elementos de promoção da justiça social e, em primeira e última instância, da própria dignidade da pessoa humana dos trabalhadores.

8. O cumprimento do acervo de obrigações que da Convenção-Quadro da OIT sobre SST resulta para o Estado português implica e exige acções nos planos legislativo, executivo e administrativo e, em todos estes, o Estado deve um escrupuloso respeito ao princípio do tripartismo.

9. As prerrogativas dos órgãos de soberania do Estado titulares dos poderes legislativo e executivo vêem o seu exercício condicionado pela necessidade, que é um dever jurídico decorrente de uma fonte de Direito Internacional, do diálogo, da cooperação e da consulta com as estruturas representativas dos trabalhadores e com as estruturas representativas dos empregadores. Numa palavra, o exercício de poderes soberanos tem lugar no contexto de uma relação de poder formalmente institucionalizada pela auto-vinculação internacional do Estado português.

10. A finalidade maior da OIT perseguida através da adopção desta Convenção-Quadro foi a da consagração de um quadro de princípios fundamentais e de regras gerais no domínio da SST que se pautasse pela flexibilidade e pela capacidade de adaptabilidade às circunstâncias e às características sociais e de desenvolvimento económico do maior número possível de Estados de modo a que pudesse ser ratificada de forma progressiva (princípio da aplicação progressiva) e abrangente.

11. Vários pontos do texto da Convenção-Quadro da OIT sobre SST permitem detectar a presença e a influência do tripartismo no quadro das relações de poder desenvolvidas ao nível do Estado entre os seus representantes e os parceiros sociais e, a partir daí, melhor enquadrar e compreender a mudança de paradigma que o tripartismo implica e o qual exige uma profunda modificação na abordagem da política pública de prevenção de riscos profissionais.

12. O momento da consulta aos sindicatos e às associações patronais foi objecto de uma interessante discussão no âmbito dos trabalhos preparatórios que conduziram à aprovação pela Conferência Internacional do Trabalho (CIT) da Convenção-Quadro. Na realidade, estava em causa saber se a expressão a utilizar, em diversos e diferentes passos do texto, deveria ser in consultation with ou after consultation with, pois da preferência pela primeira ou pela segunda poderia (ou não) ser objectivamente levantado o problema da restrição (ou não) dos poderes constitucionais dos Estados (o que seria o caso com a expressão in consultation with, na justa medida em que a mesma inculcaria a ideia de consenso entre o titular do poder político e do poder legislativo e os representantes dos trabalhadores e dos empregadores).

13. Em todas as fases da política nacional de prevenção de riscos profissionais ? definição, execução e avaliação ? é determinante a participação dos parceiros sociais, pelo que o tripartismo reivindica, aqui, uma relevância estratégica no campo de uma política pública, a qual, assim, não se confunde com a ideia de uma mera política do governo.

14. A cooperação na OIT conduz a que, neste domínio específico, nas relações de poder internas saia reforçada a posição dos parceiros sociais, sem que, contudo, a decisão final deixe de competir ao Estado.

15. O princípio subjacente à criação de um sistema nacional de prevenção de riscos profissionais implica que do carácter complementar das responsabilidades de cada um daqueles que dele fazem parte resulte a capacidade de agir que é pressuposto da responsabilidade. Nesta relação de poder suscitada pela Convenção-Quadro é condição necessária da boa política pública a garantia dos meios e das competências que salvaguardem um efectivo exercício do tripartismo.

16. A participação e o exercício do tripartismo nos processos de decisão que conduzam à definição e execução de medidas concretas se estende e alarga a um nível infra-confederal de modo a chegar ao segmento dos sindicatos e das associações de empregadores individual e sectorialmente consideradas.

17.  Tal facto, se acarreta para o Estado, no quadro destas relações de poder, maiores exigências no que toca à salvaguarda de um princípio de concertação de interesses, traduz para os parceiros sociais maiores responsabilidades na qualidade do envolvimento em processos de decisão político-legislativa e político-administrativa.

18. A Convenção-Quadro da OIT sobre SST sugere a criação e a institucionalização de estruturas de representação tripartida que tenham como atribuições a coordenação e a articulação das diversas e diferentes responsabilidades e esferas de acção de todos aqueles que integram o sistema nacional de prevenção de riscos profissionais.

19. Trata-se de matéria que implica com a própria estruturação dos organismos do Estado e da Administração Pública, podendo, por isso mesmo, ver-se aqui a importância que o tripartismo chama para si no tocante a um domínio tão específico quanto o é o da estruturação orgânica e funcional do Estado.

20. Isto é, à SST o que é da SST.

Actualizado em ( 10-Ago-2011 )