Lateralidades e o modelo policial |
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Escrito por Paulo Macedo | |
27-Jun-2013 | |
A não tão recente assim discussão sobre o modelo policial que deverá existir em Portugal, numa altura em que se fala da reforma do Estado como meio de racionalizar a despesa pública, tem dado muito que falar nos últimos tempos, com as corporações envolvidas a produzirem estudos e opiniões diversas e com o poder político a deixar nas entrelinhas que é necessário fazer alguma coisa, mas sem assumir exatamente o quê. (...) (...) Independentemente da valorização deste ou daquele modelo, ou até de um modelo diferente dos atualmente existentes, todos (dual, monista ou híbrido (!)), exibem vantagens e desvantagens. Na realidade parece evidente que existem várias forças e serviços de segurança em Portugal, o que parece suportar a visão de que cada vez mais o sistema de segurança público está atomizado e, consequentemente, produz ineficácias e ineficiências várias ao nível dos custos de ?produção? bem como ao nível da operacionalidade e do seu resultado final; bem como parece evidente existirem missões e tarefas duplicadas entre as várias forças e serviços de segurança, eventualmente apenas com diferenças de atuação territorial, o que por vezes potencia o conflito, designadamente, de competências, o que parece suportar o argumento daqueles que defendem a aplicação de um novo modelo. A vantagem imediata desta controvérsia foi a produção de estudos sobre a matéria, a publicação de diversas opiniões, a organização de vários seminários e, em suma, a discussão semipública sobre uma matéria que a todos (os contribuintes) interessa e pela qual nós, em particular, pugnávamos há vários anos, como poderão encontrar prova no arquivo desta revista. Como desvantagem o querer-se, aparentemente, mais uma vez, iniciar a obra pelo telhado esquecendo os alicerces, no caso vertente, querer-se olhar para a designada segurança interna (?) sem pensar a questão ? cada vez mais premente ? do que é, ou pode ser, a segurança nacional, entendendo esta, numa perspetiva puramente instrumental, como conceito integrador dos muitos e variados fatores proporcionadores e potenciadores de um nível de segurança adequado, aceitável e exequível para Portugal. Verdade seja dita que, em algumas ocasiões, houve a preocupação senão de explorar a matéria pelo menos de a aflorar, o que de si já diz muito sobre os envolvidos e, pelo menos, os retira do grupo que gosta de iniciar projetos pelos telhados. Outra desvantagem, esta não aparente mas, em nossa opinião, muito real, é a passagem de uma imagem de colocação dos interesses das corporações (quaisquer estas sejam), acima do interesse público que deriva das missões que lhes foram e são confiadas pelo Estado ? na realidade as turf wars que neste momento estão à vista de todos, são tudo menos bonitas e muito menos tranquilizadoras para os ?clientes? finais. Por motivos de formação pessoal não conseguimos perceber que estruturas hierárquicas, de uma qualquer força de segurança pública (entre outras organizações), entendam que devem interpretar o interesse público para além das missões que lhes estão diretamente confiadas. Quando, segundo as notícias dos jornais, a direção ? ou parte da mesma ? de uma força de segurança terá ameaçado demitir-se porque terá considerado inadequado que um grupo de trabalho sobre o conceito de segurança nacional e defesa se tenha pronunciado sobre matérias de segurança interna sem que a hierarquia da força em questão (tal como outras), tenha sido ouvida, parece haver aqui uma qualquer inversão dos poderes do Estado ou, no mínimo, uma interpretação extensiva completamente errada, o que não favorece aqueles que tenham realizado tal interpretação, em particular, quando se supõe que serão os elementos mais bem preparados para levar a cabo as funções para as quais foram nomeados. Ou talvez não! A acreditar nas notícias vindas a público, portanto a ser verdade, tal atitude não é aceitável, não é compreensível, não tem justificação e não deverá voltar a ser repetida. Duas apreciações Em primeiro lugar, em nossa opinião, o grupo de trabalho, perante o mandato que tinha e que pela primeira vez introduzia a expressão ?segurança nacional? teria necessariamente que abordar questões relacionadas com a designada segurança interna; apenas como exemplo, e porque em Portugal muito se gosta de seguir o ?produto? francês (não é o nosso caso), se virmos a lei nº 2009-928 de 29 de julho de 2009, relativa à programação militar francesa para o período 2009-2014, e aonde no capítulo II, artigo 5º se introduz a estratégia de defesa e segurança nacional, e na sua secção 2 se descrevem as responsabilidades do Ministério do Interior face à defesa e segurança nacional, fácil será de perceber que não seria possível estruturar-se um conceito de defesa e segurança nacional sem abordar a segurança interna em maior ou menor pormenor; ou seja, não parece que o grupo tenha ultrapassado os limites do seu mandato, e uma acusação de ingerência só pode provir de alguém que tenha profundo desconhecimento destas matérias. Dito isto, na realidade como ?grupo de sábios? (?), também não nos parece possível que não tivessem conhecimento das várias políticas de segurança nacional, ou de defesa e segurança nacional, ou títulos similares, já existentes na Europa, que os não levassem a ter algum cuidado no tratamento das matérias, em particular, de segurança interna, designadamente num país aonde a importância dada ao individualismo, por oposição ao trabalho de equipa, é uma característica reconhecida, pelo que teria sido da mais elementar justiça ter ouvido, senão integrado, as várias forças e serviços de segurança envolvidos nesta área. Como segunda apreciação, temos para nós que a reação anunciada pelos dirigentes (ou parte deles), que embora aparentemente tenha resultado no conceito final que acabou por vir a público, terá impactos negativos tão longínquos quanto a memória perdurar e não haverá estudo nenhum, por mais bem elaborado e fundamentado, que vá levar à existência de um modelo monista de carácter civilista. É que uma das, (entre várias), razões para a fundamentação e manutenção de um modelo dual é o de ser de facto uma válvula de segurança do sistema, como já se pôde observar noutras ocasiões e agora, infelizmente, se volta a verificar. Na nossa humilde opinião, aquela ameaça de demissão fez muitos estragos e, estamos convencidos, que o impacto da mesma ainda não ocorreu. *Paulo Macedo Docente universitário |