A água e o azeite na política de prevenção de riscos profissionais PDF Imprimir e-mail
Escrito por Jorge Gaspar   
29-Dez-2008
Em artigo publicado no Jornal de Negócios na sua edição de 13 de Julho de 2007 (Olha para o que eu digo, não olhes para o que eu faço), na sequência da apresentação no Boletim do Trabalho e do Emprego do projecto...

de Lei Orgânica da Autoridade das Condições de Trabalho (ACT), escrevemos o seguinte: ?(...) a junção numa única entidade da inspecção e da prevenção levará (...) à primazia absoluta da inspecção e à menorização da prevenção e, consequentemente, ao reforço das práticas fiscalizadoras e punitivas em detrimento das lógicas típicas de uma política e de uma praxis de recorte pedagógico e aberta ao diálogo com as empresas e os trabalhadores. (...) E claramente não é a figura do Coordenador Executivo para a Prevenção da Segurança, Saúde e Bem-Estar no Trabalho, prevista no projecto de orgânica da ACT, que contraria o que acabo de dizer. Pelo contrário. Apenas o reforça. Que dizer de uma fi ura que nem sequer um órgão da ACT (art. 4º)? Que corresponde a um dos três subdirectores gerais da ACT e que, enquanto tal, coadjuva o Inspector-Geral do Trabalho no exercício das suas funções inspectivas, de auditoria e de fiscalização (art. 5º, nº1)? Que reporta directamente ao Inspector-Geral do Trabalho (art. 6º, nº1)? (Já agora, os outros subdirectores gerais reportam a quem!?) Que também nem sequer preside ao Conselho Consultivo para a Prevenção da Segurança, Saúde e Bem-Estar no Trabalho, que é, ao invés, presidido pelo Inspector-Geral do Trabalho e no qual têm também assento os outros dois subdirectores gerais (art. 7º, nº2)? Reconheçamos, no entanto, que ao contrário do que passava com a orgânica do IDICT, desta vez com a ACT a figura da prevenção foi posta num lugar directamente proporcional à importância que lhe é dada na escala das opções políticas e na hierarquia dos aparelhos burocráticos...?

Passado quase um ano e meio depois daquelas palavras, não é possível não admitir que a razão estava do nosso lado. Pelo contrário, decorrido mais de um ano de exercício pleno pela ACT das suas competências num quadro de responsabilidades e atribuições politicamente definidas e orientadas, só é legítimo reconhecer que a razão já estava e cada vez mais está do nosso lado. Infelizmente. Todos ? uns mais cedo, outros mais tarde ? fomos percebendo que é assim. Hoje todos já sabemos que assim é.
A função de uma Inspecção do Trabalho e a dignificação da sua actividade são elementos absolutamente decisivos na consolidação de um mercado de trabalho caracterizado por relações laborais limpas e enquadradas pelo escrupuloso cumprimento da Lei e na afirmação de uma economia de mercado conciliadora daprocura da competitividade das empresas com a perspectiva do decent work tributária de uma visão personalista da Comunidade e das relações sociais. Nestes termos, se uma Inspecção do Trabalho responsável, competente e eficaz constitui um pressuposto inafastável de um Estado de Direito e de uma Economia de Direito, um inspector do trabalho independente, mobilizado e motivado é a chave para uma afirmação quotidiana do princípio da legalidade no contexto das relações laborais. A desejável crescente valorização do papel do inspector do trabalho é, pois, a inequívoca demonstração da indispensabilidade de uma Inspecçãodo Trabalho forte e actuante.

Mas não confundamos nem nos deixemos confundir. O poder político e demais poderes públicos não podem querer definir e seguir uma linha de orientação estratégica que faça do alargamento do espaço da Inspecção do Trabalho um fim em si mesmo e, ainda menos aceitável, fazê-lo numa lógica de colonização ? quando não canibalização ? das estruturas e dos recursos da Prevenção, particularmente naquilo que toca à área da Prevenção dos Riscos Profissionais (Refira-se já, aliás, que as consequências negativas de uma política de alargamento da Inspecção do Trabalho para lá das fronteiras da sua vocação natural [não sustentada nem sustentável, portanto] recairão, a prazo, no seu próprio elemento humano, desvirtuando as funções do inspector do trabalho ? quer no seu ambiente típico de contacto directo com as empresas, quer na sequência de uma tendência de entrincheiramento e deslocalização das suas competências para actividades de tipo administrativo ? e, desse modo, contribuindo para a indefinição dos contornos essenciais de tão importante figura no quadro da Administração do Trabalho e cuja natureza deveria ser inatingível).

O actual empobrecimento da área da Prevenção de Riscos Profissionais é visível.

No plano dos seus recursos humanos, a política seguida conduziu a um cenário marcado pela induzida diminuição dos seus quadros, os quais ou foram reafectados, realocados e deslocalizados para outras funções ou, o que é perfeitamente legítimo do ponto de vista profissional, procuraram saltar a barreira para o lado da Inspecção do Trabalho onde os esperava um melhor estatuto remuneratório e socioprofissional. O que temos hoje? Dirigentes competentes e sabedores, mas sem autonomia. Técnicos capazes e voluntariosos, mas sem espaço de acção. Numa palavra, pessoas empenhadas, mas desvalorizadas. 
No que toca aos recursos financeiros, o panorama é desoladoramente coerente com aquilo que se passa o domínio dos recursos humanos. Basta olhar para o Orçamento da ACT para o ano de 2009 (disponível no sítio do Parlamento) para perceber que a área da Prevenção dos Riscos Profissionais é assumidamente o parente pobre dentro daquele organismo da Administração do Trabalho. Senão, vejamos. De um orçamento de quase ?46 milhões não chega (e já estamos a ser demasiado ?optimistas? relativamente à sua execução...) aos ?4,5 milhões a verba destinada ao financiamento de verdadeiros instrumentos de prevenção no âmbito da tão falada, mas também tão politicamente esquecida, Rede Nacional de Prevenção de Riscos Profissionais. Aliás, seria de pasmar se não fosse inconcebível e, por isso, inaceitável que dos quase ?27 milhões de Taxa Social Única (TSU)/Segurança Social que constituem receita do orçamento da ACT mais de 80% (!) estejam reservados ao pagamento de custos de estrutura e de funcionamento. Só para as ?despesas com o pessoal? vão quase ?13 milhões, mais do que a contribuição do próprio orçamento de Estado? Isto é, a TSU/Segurança Social suportada pelas empresas portuguesas está a pagar a existência do Estado ao invés de se assumir como um seu instrumento privilegiado no sentido da afirmação da melhoria das condições de trabalho indispensável ao reforço da competitividade daquelas (mas estando ? até quando? ? as empresas distraídas a este propósito, sempre poderá o Governo dizer que ?enquanto o pau vai e vem folgam as costas?). Não julgamos normal nem sequer legítimo que seja assim. Parece, ao contrário, que ainda temos por aqui o velhinho Orçamento Geral do Estado...

Os factos são o que são e a realidade não se admite que seja virtual. Pergunta-se, pois: Senhor Ministro, como é que pensa, e com que meios, executar a Estratégia Nacional para a Segurança e Saúde no Trabalho 2008/2012? Não se esqueça que falta um ano para a avaliação intermédia e as avaliações ? como se vai vendo! ? são mesmo para fazer...

PS: Aproveitamos a oportunidade para desejar o maior sucesso profissional a todos aqueles que nos próximos tempos serão empossados como inspectores do trabalho. Estamos certos que todos conhecem e reconhecem a importância das funções que lhes são confiadas. Como referimos atrás, o inspector do trabalho constitui a referência decisiva no bom cumprimento da Missão de uma qualquer Inspecção do Trabalho, tanto na sua ?componente de aconselhamento? como na sua ?componente de acção coerciva?, como diz Wolfgang Von Richthofen (em Inspecção do Trabalho ? Um Guia da Profissão, p. 138). Tomar o todo pela parte é outra coisa...

 

*Jorge Gaspar
Docente Universitário
Jurista
Actualizado em ( 05-Jan-2009 )