Reflexões a propósito da ENSST |
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Escrito por S. Massano Cardoso | |
10-Jun-2009 | |
Reflexões a propósito da Estratégia Nacional para a Segurança e Saúde no Trabalho Diariamente somos confrontados com notícias muito interessantes. Novas descobertasno campo do tratamento do cancro, novos fármacos na luta contra as doenças cardiovasculares, implantes cocleares e neurológicos capazes de porem a ouvir e a ver os doentes, diagnósticos genéticos bastantes complexos, evitando o aparecimento de doenças muito graves, efeitos terapêuticos inesperados da responsabilidade do vinho, do chocolate, do alho, do chá, do café e de muitos outros produtos, transplantes, nanotecnologia a recordarnos que a futurologia está mesmo à frente do nosso nariz, ou seja, notícias que são, também, entretenimento, ao mesmo tempo que despertam a fome de resolver certos problemas no futuro. A importância dos factos depende mais da visibilidade que lhes é concedida do que da natureza e impacto dos mesmos. Vivemos numa sociedade altamente mediatizada e este fenómeno condiciona todos os demais. A par da mediatização, esta reveste-se de outra particularidade: o entretenimento. Com base nestas premissas é fácil compreender que certas campanhas, acções de formação e fontes de informação sejam relegadas para um plano secundário. E se estivermos a falar de Segurança e Saúde no Trabalho, então, é certo e sabido que poucas vezes é falada. Poderão contrapor que o que interessa é haver pessoas, entidades e instituições que se dediquem a estas áreas. Sim, de facto é importante, e mesmo vital, mas as suas intervenções são limitadas no espaço, no tempo e na importância. Que relevância têm tido ultimamente? Pouca ou nenhuma. No princípio da década de noventa assistiu-se a uma verdadeira ?movida? na Europa e em Portugal. Tudo apontava para uma verdadeira revolução nestas áreas. Em parte foram atingidos alguns objectivos, mas depois, devido a vários circunstancialismos, externos aos responsáveis, adormeceu, hibernou. É curioso que a área mais nobre, a mais importante, a que define a nossa identidade como sendo a única espécie cultural, e que está na base do nosso desenvolvimento civilizacional, o trabalho, seja ao mesmo tempo fonte de doença, de mal-estar, de atentado contra a dignidade e de morte. Todos os esforços no sentido de transformar o trabalho em fonte de saúde e de realização profissional foram votados ao insucesso, por vários motivos; os mais destacados referem-se à riqueza e ao poder conferido pela primeira. Por isso não é estranho que a nossa história seja uma verdadeira história trágica laboral que, não obstante todas as conquistas, ainda continua a fazer das suas, mesmo nos nossos dias, na civilização ocidental. Ainda não conseguimos atingir o nível de igualdade de acesso a condições laborais mínimas. Muitos sectores de actividade laboral enfermam de riscos muito perigosos para a saúde dos trabalhadores. Iremos ter a oportunidade de elencar alguns, mas, antes, gostaria de analisar uma situação que é muito grave em termos de saúde; o desemprego. O desemprego é uma fonte de problemas sociais, de mal-estar e de doença. A organização social e do trabalho dos tempos modernos caracteriza-se, entre outros aspectos, por taxas elevadas de desemprego e pela precariedade das ligações laborais. As causas são múltiplas e, ciclicamente, observamos situações preocupantes, em virtude do impacto nas vidas dos atingidos. Entrámos num período de grande instabilidade, perspectivando-se elevadas taxas de desemprego. Alguns trabalhos vêm revelando a existência de associação entre o desemprego e taxa de mortalidade elevada, comparativamente aos que estão empregados. Este indicador, de patologias do desemprego, também se reflecte nos diferentes tipos de vínculo laboral. Um trabalho efectuado na Finlândia, compreendendo mais de 26.000 homens e mais de 65.000 mulheres, observados durante onze anos, revelou que o emprego temporário estava associado com mortalidade mais elevada do que os que tinham emprego permanente, mas com taxas inferiores aos desempregados. Curiosamente, no mesmo estudo, verificou-se redução da mortalidade naqueles que transitavam de empregos temporários para empregos fixos. Os desempregados de longa duração, comparativamente aos que tinham emprego fixo, têm duas a quatro vezes mais risco de morrer por todas as causas e doenças cardiovasculares e três a cinco vezes mais por doenças relacionadas com o álcool. Mortalidade por doenças relacionadas com o álcool, com o tabaco e com o stresse são mais frequentes neste grupo de trabalhadores (emprego temporário), facto que obriga a cuidados, sempre que sefaça a abordagem dos estudos, em termos de associação entre os que não trabalham e os que trabalham, já que estes últimos correm riscos diferentes, consoante o tipo de vínculo. Por outro lado, a prevenção de riscos que estão subjacentes a muitas doenças dos nossos dias tem de ter em linha de conta não só os comportamentos individuais e as agressões ambientais, mas também a própria forma de trabalhar. O elevado número de desempregados, mais o crescente número de empregados em situação temporária, constitui, eventualmente, um factor de risco de mortalidade, através de doenças relacionadas com o consumo de álcool, tabaco e ?causas externas? nada desprezíveis. Estamos a falar de mortalidade, mas se nos reportarmos à morbilidade, então o fenómeno reveste-se de particular acutilância. A taxa de desemprego ameaça-nos cada vez mais. Em 2005, escrevinhei uma pequena crónica onde tentei analisar a relação entre esta preocupante situação e os acidentes de trabalho. Portugal é um dos países que apresenta taxas de sinistralidade laboral das mais elevadas, apesar de termos assistido nos últimos tempos a uma redução acentuada. O fenómeno não é só nosso. Na União Europeia, contabilizam-se, anualmente, em cerca de 4,7 milhões, o número de acidentes de trabalho que determinam absentismo superior a três dias; se incluirmos os que não exigem absentismo, então a cifra sobe para 7,4 milhões. A probabilidade de um trabalhador estar envolvido num acidente de trabalho é de 4,7% ou de 6,4%, conforme ocorra ou não ausência ao trabalho (superior a três dias) e a incidência anual de mortes por acidente oscila ao redor de 5 por 100.000 trabalhadores. Calcula-se em 150 milhões o número de dias de trabalho perdidos, facto que tem implicações sociais e económicas difíceis de quantificar. Um dos fenómenos que caracteriza os acidentes de trabalho é o comportamento cíclico de subidas e descidas. Tem sido observada uma associação inversa com o nível de desemprego. Um dos determinantes utilizados para explicar este fenómeno consiste no facto de que, quando há uma maior necessidade de trabalhadores (baixa taxa de desemprego), a exigência e a ?pressão? exercidas sobre os mesmos serem consideradas os principais factores. Em contrapartida, o desemprego determina menos esforço e, consequentemente, menos acidentes. No entanto, esta interpretação foi posta em causa por um investigador, Jan Boone, da |
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Actualizado em ( 23-Jun-2009 ) |