Visto por outro ângulo PDF Imprimir e-mail
Escrito por António Malheiro   
19-Fev-2009

Podem falar a verdade que a gente compreeende

por: António Malheiro

Existe uma mentalidade no nosso país que se baseia em esconder informação à população como se nós, cidadãos e contribuintes, fôssemos estúpidos ou não preparados para enfrentar as realidades e as verdades das situações ou, talvez, (...)

nem tivéssemos a capacidade mental de compreendermos a informação que teríamos direito a receber.

Sempre existiu um papel paternalista por parte das instituições, principalmente o Estado, para com os cidadãos,  protegendo-os, no bom ou no mau sentido, da realidade dos factos e do que se passa nestes poucos quilómetros quadrados que são o nosso país.

Se não fosse a comunicação social a esburacar e a procurar respostas é do conhecimento geral que a maioria dos chamados ?assuntos quentes? passavam completamente ao lado do contribuinte, que afinal sustenta as referidas instituições. O sigilo da justiça e a segurança nacional têm sido duas das justificações para esta política e na maioria dos casos nem se dão ao trabalho de justificar. O que é importante é que o cidadão não saiba dos erros e da incompetência de organismos e instituições - fazem tudo muito bem, somos os melhores do Mundo, seja nas finanças, na saúde, na justiça, no futebol ou na protecção civil.

Já que falei em justiça lembrei-me daquela história que se conta sobre quando o nosso Primeiro-ministro, acompanhado pelos seus ministros, visitou a Bolívia, país sulamericano no interior do continente e sem contacto com o mar. Aquando da recepção, depois de o nosso Sócrates ter apresentado todos os nossos ministros, o Presidente da Bolívia também começou a apresentar os seus, até que apresentou o Ministro da Marinha. O nosso Primeiro-ministro, muito espantado, exclamou: ?Como tem um Ministro da Marinha, se não tem marinha?? ao que o Presidente da Bolívia retorquiu: ?Ó Socrates, amigo, também me apresentou o seu Ministro da Justiça e eu não disse nada!?.

Esta conversa toda para falar do simulacro de sismo na região da Grande Lisboa, com  designação de PROCIV IV/08 realizado de 21 a 23 de Novembro do passado ano. Embora não tenha acompanhado de perto este exercício, tive, entretanto, a possibilidade de conversar com diversos intervenientes directos, integrados num leque alargado de entidades envolvidas. No final, o balanço foi apresentado pelo Comandante Nacional de Operações de Socorro, Gil Martins, referindo que ?nos últimos três dias apreendemos e foram detectadas algumas insuficiências?.

Pois, no meu ponto de vista, passaram-nos mais um atestado de insuficiência de encarar os factos, pois Exmo. Sr. Comandante, foram só algumas insuficiências que foram detectadas? Por aquilo que ouvi, durante este exercício, veio a claro aquilo que sempre tem existido, desde que na Protecção Civil se englobaram várias organizações, algumas delas muito ciosas da sua autoridade e poder de comando.

Não nos podemos esquecer que em anteriores apresentações de dispositivos de protecção civil, onde as forças em parada se apresentam sob o comando daquele que é designado pela Autoridade Nacional de Protecção Civil, isto é, o Comandante Nacional ou Distrital de Operações de Socorro, os elementos da GNR se recusaram a receber as ordens de ordem unida por parte do referido comandante e só recebiam do comando da GNR. Isto aconteceu e não foi só uma vez, e mais, com os GIPS, aquela super equipe que a GNR criou para se integrar no socorro da Protecção Civil ou, teria eu a coragem de dizer, substituir os bombeiros de Portugal.

Por isso, no exercício PROCIV IV/08, vieram a claro as ?guerrinhas? de comando, de competências ou incompetências e de outras manias existentes, onde, por aquilo que soube, pelo menos em Benavente, criaram graves problemas, que numa situação real poderiam colocar em causa a vida daqueles que, bem ou mal, pagam os seus impostos para sustentar todas estas estruturas e quintinhas.

A Autoridade Nacional de Protecção Civil criou comandos locais e sectoriais, por missão, na sua maioria Comandantes de Corpos de Bombeiros, que são aqueles que possuem experiência e formação em socorro nestas situações.

A GNR recusou-se, pelo menos nos dois primeiros dias, a cumprir as instruções destes comandos, chegou a mandar sair bombeiros de um local em incêndio (simulado) para eles entrarem. Ou as minhas fontes estão erradas? O INEM recusou-se a receber instruções dos Comandos, recebendo constantemente instruções da sede via telemóvel! Já repararam, receber instruções por telemóvel quando existiu um sismo daquela magnitude? Milagre!

As antenas de comunicações do operador que possui contrato com o INEM não caíram!

Foi verdade? Os escuteiros, à última da hora, comunicaram que não iriam participar no exercício, ao contrário do que estava preparado. Se calhar até tiveram razão para essa tomada de posição, mas se não nos explicarem nunca o saberemos.

Os helicópteros aterraram ou não em Benavente? É que parece que não. Vítimas houve que esperam duas horas, em plena via pública, por uma ambulância. É mentira?

As ambulâncias a transportar vítimas, que não eram do concelho ou se deslocaram para outros concelhos, andaram literalmente perdidas, demorando imenso tempo até chegar ao local de destino, pois não existiam mapas nem  indicações de direcções. Temos o direito de saber se foi mentira ou verdade? 30 pessoas estavam no posto de comando a nível municipal, na mesma sala, e muitas vezes a falarem ao mesmo tempo. Será mentira? O simulacro em Benavente esteve suspenso por aproximadamente uma hora, dizem as más línguas. Será que temos o direito de saber se é verdade ou mentira e, se verdade, porquê e quem foi o responsável? Sabendo das boas relações entre os organismos envolvidos, ANPC, Bombeiros, INEM e ? GIPS, até adivinho quem foi. E em Lisboa, como correu? Foi tudo maravilhoso? Já agora, como foram as comunicações?

Visto por outro ângulo, não me compete a mim, nem o devo fazer, revelar o que realmente aconteceu durante este exercício; não estava lá, não participei, nem acompanhei e, repito, aquilo que sei foi-me contado por outros e, como sempre, aqui deixo o meu aviso: ?vendo o peixe pelo preço que  o comprei?.

Compete sim, aqueles que publicamente apresentaram e opinaram sobre o simulacro e fizeram o respectivo balanço do mesmo, serem verdadeiros e respeitadores daqueles que contribuem para os seus vencimentos, em transmitir a verdade e pôr a claro os problemas que aconteceram pois erros todos podem cometer, principalmente num exercício deste tipo, que é realizado exactamente para detectar erros e corrigi-los; agora, por favor, não nos queiram passar um atestado de estupidez e defender-nos do perigo de estes erros continuarem a existir, pois só podem ser corrigidos se primeiro forem assumidos como erros e graves. Temos o direito a saber quando e como existiram erros e o que se vai fazer para os corrigir. Temos o direito à verdade. Não nos chega o assumir ?algumas insuficiências? para nos esconder ?os graves erros?.

Ficamos todos a aguardar um relatório público e verdadeiro para sabermos o que se passou, o que se vai fazer e qual a resposta por parte do Estado se realmente acontecer um sismo de magnitude 6.7. E será que não temos direito a ter conhecimento do Plano Especial de Emergência de Risco Sísmico para a Área Metropolitana de Lisboa (PEERS-AML) e das correcções que obrigatoriamente agora terão de ser introduzidas? Depois deste exercício não deveria ser realizada formação específica, principalmente a nível de comandos, para os erros detectados (?algumas insuficiências?) não se voltarem a repetir? Não está na altura de se levar a sério o direito da população de ser protegida e socorrida convenientemente pelo Estado?

 

 

Actualizado em ( 20-Fev-2009 )
 
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